segunda-feira, abril 7

Uma noite nas Urgências do Hospital de Faro

Domingo, Março 02, 2008
Uma noite nas Urgências do Hospital de Faro
Sou hemofílico, uma condição física que me coloca em risco acrescido permanente e que aprendi a relativizar de modo a viver uma existência não condicionada pela ameaça da doença.
Ontem de manhã tive uma hemorragia.
O sabor férreo do sangue na boca começou de manhã, pelas 8horas, após o pequeno-almoço.
Como estava a mais de 100 km de distância do Hospital Distrital de Faro e porque já sabia o que me esperava (este verbo é o verbo certo – esperar), tomei precauções e adiei o inevitável: bebidas geladas, gelo triturado, repouso e a esperança que os 20% de Factor VIII que a genética me concedeu fizesse o seu trabalho de coagulação. Não fez.
Pelas 17 horas, já farto de me sentir um Drácula de mim mesmo, fiz-me ao caminho, sozinho de carro, até ao Hospital Distrital de Faro.
Durante a viagem, pela Via do Infante, telefonei para o Hospital e pedi para falar com a Hematologia, porque sei que geralmente nestas situações o especialista administra 1000 unidades de factor VIII: "ah, Hematologia não temos, só Serviço de Sangue. Vai ter que vir até às urgências."… senti um arrepio, agradeci e desliguei o telefone.
Continuei a viagem temeroso do tormento antecipado.No atendimento inicial, às 19 horas, tudo foi muito bem.
Explicado ao funcionário do guiché a minha condição e estado, fui encaminhado para o atendimento de triagem dentro da Urgência
E pronto, havia chegado ao purgatório. A enfermeira da triagem, criatura inexpressiva perante a minha informação de que era hemofílico e sangrava desde das 8 horas da manhã, atribuiu-me uma fita amarela (Método de Triagem de Manchester – do menos grave para o mais grave: verde-amarelo-laranja-vermelho) e fui para uma sala denominada apropriadamente de "Sala de Espera".
Lá dentro as pessoas sofriam, o que é espectável num hospital.
E sofriam com dores? Sim, também, mas não só.
Desesperavam com a espera e a ausência de informações.No final de tudo, às 00:15 minutos do dia seguinte, conclui que a espera desesperante, desde a cor verde até à cor laranja inclusive, não foi para todos eles inferior a 5 horas.
Assisti, entre o purgatório da sala e o inferno da Urgência própriamente dita, a algumas cenas verdadeiramente deploráveis e inaceitáveis. Os corredores estavam apinhados de macas com doentes, dezenas, quase todos idosos.
Vários gritavam e choravam sem que lhes fosse dada qualquer atenção digna desse nome.
O cheiro a fezes e urina era impressionante.Da sala de (des)espera até à sala de atendimento havia apenas uma estreitíssima passagem por entre as macas amontoadas de doentes.
São cerca de 50 ou 60 metros que percorri 8 vezes, ida e volta: às 20 horas, perplexo, quando fui atendido por um médico extenuado que estava de banco desde o dia anterior; depois, horrorizado, às 21horas quando me fizeram análises ao sangue entre macas e uma confusão de gente; novamente às 22:00 quando me administraram o Factor VIII; e às 00:15, quando finalmente me foi dada alta sem quaisquer outras recomendações.
A brutalidade das condições físicas do espaço e principalmente a desumanidade com que alguns dos funcionários se dirigem aos doentes merece este comentário: observei gritos de funcionários para com alguns doentes perante o olhar impávido dos médicos presentes, vi gestos de humilhação pública - entre outros, a prática da mudança das fraldas aos incontinentes à vista de toda a gente.
Também assisti, como todos os utentes que passam pelo longo corredor por entre as macas até ao balcão de atendimento, ao banho sem condições de privacidade e reserva da intimidade, tudo desnudadamente feito entre discursos de contenção pseudo-técnicos que infantilizam os enfermos que se queixam, uns entre gritos lancinantes, outros entre queixumes ininterruptos.
Um horror inaceitável.Faz-me recordar, infelizmente, os meus tempos de estágio em Coimbra, quando numa visita da então Ministra da Saúde - de má memória para os cidadãos com hemofilia e para as famílias dos hemofílicos contaminados com VIH – os doentes que estavam depositados como meros objectos nos corredores das urgências foram retirados pelos elevadores para os pisos superiores de modo a esvaziar o Serviço até passar sua Excelência e a comitiva de jornalistas que a acompanhavam, tudo para efeitos de propaganda. Ninguém me contou, eu assisti.
Ontem, tal como outrora, ninguém me relatou seja o que for, eu vi e sobrevivi à situação, não sem sair dela outra vez com desgosto profundo e memórias visuais do absoluto sofrimento e da miséria
Malveiro
Recebi do meu Amigo Matos Junça, a quem agradeço, e é extremamente triste, por razões óbvias" que deixo aqui este testemunho!
Posted by Picasa

18 Comments:

Anonymous Anónimo said...

É uma pena mas a saúde neste país, tal como a justiça não é para todos. Não se esqueçam disso quando forem votar no ano que vem.

8:40 da tarde
Anonymous Anónimo said...

e isto acontece a pessoas que já foram públicas, nomeadamente na vereação da Câmara de Faro, está bem relatado o que também acontece aos restantes, que são a maioria, na saúde e outras áreas tantas vezes silenciosa, mas começa a ser demais e a malta passa a ficar muito ruidosa.
Sem querer defender a classe médica ou da enfermagem e auxiliares, os tais ministros e ministras, directores e directoras dos Hospitais e ARS deviam passar pelo mesmo, nas condições de trabalho que obrigam outros a trabalhar até à exaustão, mas, claro, sem que ninguém os conhecesse.
Assim tá bem Pedro, isto é serviço público e não o disseram-me que...

10:42 da tarde
Anonymous Anónimo said...

Há meses (Setembro 07) estive exactamente nessas condições. Terei que voltar, para ser operado. Disseram-me, +- um mês. Estamos em Abril.7 meses.
Se eu morrer.. morrerei anyway... que seja mais tarde.
Quando me cobravam impostos, o sistema, levavam tudo, penhoras, leilões. Que viva ( o estado)...espanha!!!! Que merda é esta???

3:50 da manhã
Anonymous Anónimo said...

porra, outra vez,...asina
marceano vasconcelos

3:53 da manhã
Anonymous Anónimo said...

srºs Bloguistas isto não é caso unico, desde Fevereiro do ano passado que espero resposta sobre queixa apresentada contra técnica de sangue, que fez em publico observaçõs sobre a doença que me afecta, quebrando a técnica o direito á privacidade e mais ignorou toda a explicação por mim dada retirando-me um dever fundamental para o apuramento de um bom diagnóstico.

8:55 da manhã
Anonymous Anónimo said...

Espero que alguem na administração ou gabinete do utente se lembre do episódio.

9:00 da manhã
Anonymous Anónimo said...

Porra envie-se este texto para as tv's, jornais, tome-se uma posição cacete!!!!!!!! Mas que merda é esta?!
Infelizmente, também passei pelo mesmo devido a um familiar meu e só não tomei nenhuma posição menos racional devido ao estado menos satisfatório do meu familiar, mas numa próxima não sei não...
Mas Pedro manda isto para a comunicação social...

Faro aos Farenses, Porra!!!

10:22 da manhã
Anonymous Anónimo said...

Por infelicidade de um familiar meu, no passado sábado estive 9(nove) horas na urgência do Hospital de Faro. Nunca na minha vida pensei ver no corredor de acesso á Urgência 4(quatro) macas em paralelo, com os doentes seminus, com um pano por cima abandonados á sua sorte, com correntes de ar, quando alguma maca precisava de passar era "sò" empurrar as outras, algumas com doentes com problemas graves na coluna.O que levará um Director de Hospital ou de ARS a acveitar estas situações e filosofar sobre o aumento dos idosos nas Urgências e esta situação de DEGRADAÇÃO HUMANA continua. Parece-me que o que ainda aguenta esta situação é o conjunto de profissionais de saùde, que sem qualquer tipo de condições ainda consegue ir resolvendo alguns casos. É URGENTE A CRIAÇÃO DE UMA COMISSÃO DE UTENTES DO HOSPITAL DE FARO, para que a situação não se mantenha, com a desculpa de que o NOVO HOSPITAL tudo resolverá. O PECAAS pode e deve iniciar este movimento.
TEMOS O DIREITO DE EXIGIR UM MINIMO DE DIGNIDADE.
DS

11:08 da manhã
Anonymous Anónimo said...

Noticia de 8 de Janeiro de 2008
O Hospital Central de Faro vai iniciar este mês um processo de "reestruturação", "ampliação" e "reorganização" do seu Serviço de Urgências, com vista a acelerar o atendimento.
A reestruturação no Serviço de Urgências, cujo projecto "já tem uma equipa constituída", visa a criação de um departamento que integrará as áreas de "Medicina Intensiva, Urgência e Emergência", onde se prevê mais vagas para internamento e mais celeridade no atendimento das urgências, adiantou fonte hospitalar.

11:55 da manhã
Blogger Português desiludido said...

Por sugestão de alguns, já enviei para a imprensa.
Pedro

1:02 da tarde
Blogger Escriba said...

Boa malha Pedro

2:30 da tarde
Blogger Unknown said...

Lembro-me bem quando, aqui há uns anos, era então Ministra da Saúde do governo formado por um "brugesso" de Boliqueime que hoje é presidente da República, senhora que hoje preside a mais uma fundação que foi formada a partir dos despojos do gamanço de um tal Champalimaud que morreu lá p'ò Brasil, foram infectados uns tantos hemofílicos com o vírus do SIDA, misturado no sangue que o Estado importou da Áustria (então governada por um antigo comandante das SS nazis), importação essa que foi negociada com chorudos lucros pela mãe da dita então ministra, a qual veio (vejam bem!) a ser, com a filha, disso absolvida por maioria na respectiva comissão da Assembléia da República.
Agora isto!....
Também já mandei para toda a comunicação social.
Vamos a ver agora quantos destes meninos obedientes e a soldo, que dirigem os "media" do regime, vão prestar atenção.
Um abraço.
BARROSO

7:39 da manhã
Anonymous Anónimo said...

Hello ainda ninguem do HDF, comentou o que Pedro Martinsdiss, algo de grave se passou, então a dita Técnica Sangue quebra o dever de sigilio, retira um direitoao doente,este apresenta queixa e mais de um ano passou e nada!!! onde estamos, no GUiné Bissau? Alertem mas é a ADmt. do HDF.

1:17 da tarde
Blogger Unknown said...

Concordo com o interveniente anterior. Porém, devo dizer que, na Guiné-Bissau, os hospitais são poucos, antigos, sem medicamentos, com pouco pessoal especializado, mas há um profundo respeito pelos doentes. Até parece que, para serem unidas, as pessoas necessitam ser miseráveis...
ROGÉRIO BARROSO

4:20 da tarde
Blogger Inês said...

O testemunho de Malveiro merecia, pela sua lucidez e clareza, ser utilizado como 'bandeira' de um movimento cívico. Não nos conformemos com a miséria do Hospital de Faro.

Por solidariedade com todos os que a ele têm de recorrer e também pelos que lá trabalham em condições tão impossíveis.

Falar não chega, blogar não chega. A não ser que todos os bloggers solidários concertem um dia de protesto oficial contra a desumanização. Que se arranje um banner... que se faça da fraqueza a força!

12:39 da manhã
Anonymous Anónimo said...

queria dizer que na guiné bissau, só na se faz pela escassez de recurso, o HDF não o faz só porque não o quer. Triste foi o episódio que se terá passado. Onde anda a chefe do serviço de sangue?sabe o que se passou?não sabe?

9:09 da manhã
Anonymous Anónimo said...

Faro, 9 de Abril de 2008



Mais uma triste história!!
(extractos de uma carta enviada para a Administração do Hospital de Faro, não sei se resolve… mas calados é que não podemos ficar!!!)
Sou neta da personagem desta triste história….
No dia 7 de Abril, cerca das 23 horas, após contacto e aconselhamento dos Técnicos da Linha de Saúde Pública uma ambulância conduziu minha Avó a esse hospital, uma senhora com 96 anos, pois encontrava-se em grande sofrimento resultante de um problema de obstipação crónico. Esta situação aflige-a há bastante tempo, tendo inclusivamente já ter sido submetida a uma intervenção cirúrgica para remoção de um tumor no intestino. Daí a necessidade de ser hospitalizada frequentemente.
Não faço uma queixa dirigida a nenhum Profissional de Saúde em particular mas a todo um Sistema de Atendimento ao Doente que me parece caótico e efectivamente em ruptura.
A situação piorou bastante naquelas urgências e serviços em geral, onde falta de tudo: em termos materiais (falta de equipamento de diagnóstico e Técnicos que o utilizem, ou simplesmente falta de Técnicos de manutenção dos próprios equipamentos(??) levando a que determinados exames de diagnóstico que tenham de ser realizados em Hospitais de Lisboa…); físicos (o espaço é exíguo e obriga a que na mesma sala tenham que ser atendidos várias doentes ao mesmo tempo independentemente de sexo ou idade…com a consequente falta de respeito pela privacidade do Doente, chegando mesmo a assistirmos a imagens degradantes!!), e de recursos humanos (como podemos esperar atendimentos adequados com Médicos, Enfermeiros e Pessoal Auxiliar em sobrecarga de trabalho ?)
A humanização dos serviços é puro “slogan”, o código deontológico hospitalar apresenta lacunas profundas e sistemáticas e a negligência é recorrente e talvez resultado de todas as outras condicionantes a que serão alheios os próprios técnicos ou não?! (…)
É que, se há inferno com eu penso que sim para castigar os mentirosos que nos governam e aos quais somos obrigados a obedecer, ele ali estava na minha frente...
Agora, a minha revolta não tem limites e não posso calar a minha amargura, a minha desilusão...
Neste preciso dia, as “peripécias” começaram logo quando ao chegar ao Hospital e supostamente já terem recebido um fax com as primeiras indicações sobre a situação clínica da doente, a funcionária administrativa respondeu agrestemente “que não tinham cá nada!” (sem mais explicações!)
A minha Avó foi então admitida no Serviço de Urgências onde ficou cerca de 24horas sem que, durante esse tempo tenha havido algum contacto com do Médico responsável com algum Familiar e portanto alguma informação sobre o diagnóstico da situação.
Devido ao seu estado debilitado e por não se poder movimentar, pediu, implorou que lhe trouxessem uma arrastadeira porque tinha necessidade de urinar, mas as empregadas passavam, voltavam a passar e nada... Como não queria fazer na roupa, reteve a urina a ponto de, quando apareceu a “célebre” arrastadeira, ela já não conseguiu fazê-lo e tiveram que a algaliar! Não esqueçamos que estamos a falar de uma doente de 96 anos!!!
Não será cruel não providenciar os cuidados necessários atempadamente provocando posteriormente a utilização de procedimentos médicos evitáveis, e causando assim um acréscimo de Dor para quem já está em sofrimento?
Não será isto negligência?
Ou então acreditamos que é puro desleixo e desrespeito pelas necessidades dos outros??
Voltamos ao ponto inicial! Na minha opinião, é negligência!
E quanto às informações prestadas pela Equipa médica acerca do estado da Doente? Nenhumas!
Noutra situação, pelo mesmo motivo recorreu a esses serviços, depois de lhe terem feito um clister e dado medicamentos para que ela evacuasse, a minha Avó pediu a arrastadeira e mais uma vez não lha levaram a tempo, tendo com consequência óbvia o ter evacuado na roupa…
(…) A “Técnica” que a atendeu depois, chamou-lhe PORCA!
SEM Comentários!!!!
É a esta reacção que se chama humanização dos cuidados de saúde?
Ou simplesmente, terão estes “ Técnicos” formação moral e cívica para exercerem as funções que desempenham? Ou serão apenas ignorantes!?
Saberão estes “Técnicos” quais as implicações físicas e psicológicas que esta situação acarreta para uma doente?
Mais uma vez , não esqueçamos que se trata de uma paciente com 96 , fragilizada, em sofrimento e com muita resistência em ser hospitalizada devido às situações traumatizantes , idênticas a esta por que tem passado!
Mais uma vez, negligência é a palavra que vem à ideia!
Ou resumindo – MÁS PRÁTICAS PROFISSIONAIS !!
Esta crítica não tem como alvo exclusivo os Profissionais. No entanto, não os podemos desresponsabilizar completamente se continuarem a alinhar em “camuflagens estéticas” do Serviço onde desempenham funções, não partilhando das denúncias e lamentos feitos pelos Utentes ou optarem pela inoperância e silêncio, compactuando com situações de negligência e desrespeito pelos valores essenciais da Dignidade Humana, que por vezes se assistem neste Hospital .

12:37 da tarde
Blogger Unknown said...

Do chefe de Gabinete do mê amigo Batão qu'é Presidente da Câmara de Loulé, recebi o seguinte eMail:
__________________________________
Exmos Senhores

Incumbe-me o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Loulé, acuso a recepção de seu email, datado de 09/04/2008, relativo ao assunto em epígrafe e que desde já agradeço, cumpre-me esclarecer o seguinte:

Considerando que todos os contributos são válidos no sentido de se proceder à identificação de situações que importa, na medida do possível, corrigir ou mesmo suprimir. No respeitante aos factos descritos, que lamento e registo com natural preocupação, já que evidenciam aspectos que urge alterar, sobretudo numa área tão sensível e delicada como a Saúde, iremos contudo, no âmbito das competências específicas a que estamos confinados, prestar o nosso contributo no sentido de melhorar substancialmente a situação.

Grato pela melhor atenção, e formulando também as suas rápidas melhoras, sou

Com os melhores cumprimentos


O CHEFE DE GABINETE DE APOIO AO PRESIDENTE



Joaquim Guerreiro
_________________________________
Agora verifico que me esqueci de mandar a mensagem em papel selado.
Um abraço.
ROGÉRIO BARROSO

5:18 da tarde

Enviar um comentário

<< Home